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A história de Lídia

O futuro de um jovem nasce dos seus sonhos. Lídia Vieira, 25 anos, sonha em estudar e trabalhar na área de saúde. Moradora do município de Abreu e Lima, fez em 2010 seu primeiro vestibular. O curso escolhido foi Terapia Ocupacional, mas ela não conseguiu nota suficiente. Lídia entra no sistema de cotas porque tem paraparesia (perda parcial de força muscular), por isso se locomove com uma cadeira de rodas ou com uma bengala, quando enfrenta distâncias mais curtas e terrenos melhores. Desde abril de 2017, é atendida semanalmente na Clínica de Fisioterapia Corpore Sano, da Universidade Católica, localizada em Santo Amaro, na Rua Manoel Pereira, e no Bloco C, também uma vez por semana, onde recebe sessões de fonoaudiologia, tudo gratuito.

Devido à rotina de tratamentos, Lídia vem a Recife nas terças e quintas acompanhada do seu pai. A família tem um carro, o que facilita muita coisa. Mas, mesmo que a locomoção de Lídia nas ruas da cidade seja só da porta do carro às portas do consultório, ela enfrenta dificuldades. O bairro onde mora, Planalto, tem seus principais acessos através de ladeiras altas, então ela só sai de casa acompanhada e, preferencialmente, de carro. Por não ter vínculo com a Instituição, a jovem não pode usufruir dos estacionamentos da Universidade. Sendo assim, seu Djalma Luiz dos Santos, 50 anos, procura estacionar na Rua Almeida Cunha, ao lado do Bloco G.

O pai de Lídia enfrenta dificuldades ao chegar na Rua do Lazer. Foto: Emília Prado

“Uma única vez não conseguimos estacionar na rua de sempre, não tinha vaga. Circulamos a Unicap algumas vezes e a vaga mais perto que encontramos foi a duas ou três quadras de distância do Bloco G. Foi a minha primeira experiência com a cadeira de rodas na rua por um trajeto mais longo, e foi horrível”, lembra Lídia. “As calçadas completamente irregulares e ocupadas por árvores, que só deixavam um espaço muito estreito para passagem, onde a cadeira não consegue entrar. Meu pai teve que me empurrar pela pista de carros o caminho inteiro e a movimentação era grande. Carros e motos vindo de todos os lados, bicicletas e outras pessoas que também andavam pela rua. Demoramos 30 minutos até chegar no Bloco C, onde sou atendida pelo fonoaudiólogo”.

A Universidade Católica possui uma área grande de estacionamento em frente à Rua do Príncipe, parte da instituição onde ficam os blocos A, B e C. Todas as vagas são reservadas aos professores. “Chorei muito neste dia. Me pai chegou com os braços doendo muito e a minha coluna estava destruída. Já tentamos conseguir uma vaga no estacionamento que fica na frente do prédio, mas não deu em nada. Se pudéssemos estacionar lá seria muito melhor, eu nem traria a cadeira, só a bengala daria conta”, acredita a jovem.

Calçada da Rua Almeida Cunha , Santo Amaro, obstruída por um carro. Foto: Emília Prado

Lídia chegando na UNICAP com seu pai. Foto: Emília Prado

A burocracia da Universidade não tem impedido apenas esta mudança na rotina de Lídia. Desde o início do ano estudando para o ENEM, ela critica antecipadamente o processo de aceitação de bolsas da Católica. “Eu e minha irmã tentamos em outros anos, passamos, mas na hora de provar que precisávamos do desconto, perdíamos. Eles pedem inúmeros documentos, exames, diagnósticos... Mesmo com toda dificuldade, ainda preciso provar que tenho mesmo uma deficiência e que a minha família não tem condições de pagar as mensalidades”. A jovem tira da bolsa uma edição de O primo Basílio, romance de Eça de Queiroz, enquanto aguarda seu horário com o fonoaudiólogo. A obra é leitura obrigatória do Exame Nacional do Ensino Médio deste ano. Agora Lídia se prepara para entrar no curso de Fisioterapia.

Ao entrar no prédio, se acomoda com a ajuda do pai em um elevador de minúsculo, que não foi pensado para todas as pessoas, onde sobem os dois apertados até o quarto andar.  No corredor, cumprimenta os conhecidos e comenta sobre suas evoluções. No consultório onde é atendida, mostra que o banheiro também não é acessível. “Tenho que deixar a cadeira de rodas na porta e sigo em pé se quiser utilizar o banheiro, porque não tem como entrar com a cadeira e me segura nas paredes, já que também não tem barras para apoio”.

Lídia conta que uma colega de lá, que também tem deficiência física e só se locomove com cadeiras de rodas, precisa esperar até chegar em casa se quiser usar o toalete, pois nenhum daquele prédio é acessível. Esta mesma moça caiu em maio desde ano na entrada do Bloco C enquanto tentava passar por um degrau, já que não tinha uma rampa. Só depois do episódio, a Universidade providenciou uma rampa na entrada (foto), com a pressão de alunos que presenciaram a queda e reivindicaram a mudança à diretoria. Acessibilidade pode ser pensada apenas como um tópico do planejamento urbano, mas vai muito além. Sua falta pode ser o ponto de partida de problemas em áreas diversas da vida de quem tem a mobilidade reduzida. “A não garantia da acessibilidade me impediu, em várias situações, e ainda impede, de ter educação, lazer, serviços de saúde e outras coisas”, lamenta Lídia.

Lídia e o pai. Foto: Emília Prado

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